A propósito de Multidão II - Vera
Sinopse
Entramos num ensaio geral, a preparação para um espetáculo que Rui há muito antecipava. O palco seria dele por uns momentos, e conseguia já imaginar a futura interpretação… O som, a música, o silêncio, seriam todos dele, a independência pela qual ele trabalhara durante tanto tempo. A multidão estaria lá para o aplaudir, essa ideia dava-lhe forças para continuar. Mas ele estava nervoso, tão nervoso, nunca tinha feito isto antes, não sozinho. Seria a altura dele brilhar, independentemente do medo que o pudesse assaltar neste preciso momento…
Nuno Cruz, Outubro de 2018
Texto reflexivo
Vera é o segundo acto do monodrama Multidão e explora a personalidade autoritária e altiva de Rui, assim como a personalidade mais frágil e mais indefinida que representa o seu stress. É deste contraste, e das semelhanças que nele se encontram que surge o material de génese para este acto, onde todos os elementos musicais são desenvolvidos a partir da assinatura musical de Vera (C-E-Db) que por sua vez não é mais do que uma expansão do que seria a de Rui (D-C#), assinaturas estas que se assumem como a representação musical da essência de cada uma das personagens. Rui, representado pelo do passus duriusculus (figura retórica que apresenta um contexto dramático através de meio tom) dá lugar à confiante Vera, cujo motivo está construído através de da inversão do motivo de Rui intercalado por um exclamatio (salto retórico ascendente representativo de uma exclamação) de forma a garantir o carácter excêntrico mas seguro da personagem feminina.
Estruturado através dos contrastes do próprio texto, este andamento faz esta forma recurso à técnica de leitmotiv para representar cada uma das suas personagens, mas também para as suas acções e sentimentos. Um dos grandes desafios na composição desta obra e que se tornou preocupação constante na minha escrita foi o facto de haver apenas um cantor no palco, com as suas características vocais muito específicas, mas uma multiplicidade de personagens. Este é o andamento em que o ouvinte é praticamente convidado a esquecer que estamos perante um devaneio de loucura e a sentir Vera como a redenção, estabilidade e amor. Foi nesta perspectiva que procurei manter um equilíbrio entre as melodias expressivas e o contraste com as linhas mais instáveis através da fluidez de gestos, pois considero muito importante manter presente a noção de que cada personagem desta obra é não mais do que um exagero crescente de pequenos traços de uma só pessoa, que procuram a todo o momento tornar-se independentes. Assim, apesar de nunca surgir fisicamente durante o andamento, a presença da personagem Rui é fulcral e indissociável de toda a acção musical tanto pelas constantes referencias textuais e musicais a esta personagem mas também pela forma como cada elemento musical procura constantemente ganhar a atenção do ouvinte, nesta busca incessante pela primazia, pela necessidade de existir para além do elemento gerador, e ainda assim sempre em sintonia com o mesmo.
Miguel Diniz
Toda a Ópera
Multidão I - Primeiro
Multidão II - Vera
Multidão III - Aquele