Six Portraits of Pain (versão de 2005)

António Pinho Vargas

Informação adicional

  • Media:
  • Partitura: Six Portraits of Pain
  • Compositor(a): António Pinho Vargas
  • Ano de Composição: 2005
  • Instituição/Pólo: Escola Superior de Música de Lisboa
  • Categoria: Solista(s) e Orquestra
  • Instrumentação detalhada:

    Violoncelo/1afl.1.1.1/2.1.1/3perc/6.6.4.4.2

  • Duração Total: 24'10"
  • Duração: 20 - 30 min
  • Intérprete(s):

    Orquestra Sinfónica da Escola Superior de Música de Lisboa
    Vasco Azevedo - direcção

    Marco Pereira - violoncelo solista

Six Portraits of Pain (versão de 2005)

Notas Dispersas sobre “Six Portraits of Pain”
1. Esta peça tem uma relação com seis textos que escolhi. Não é uma peça programática no sentido habitual do termo (como poderia ser?) mas os textos habitam a obra. Estão escritos na partitura e aos músicos é pedida a sua leitura durante a execução. Dessa forma, cinco dos seis textos escritos na partitura existem na obra enquanto presença consciente nos músicos, mas não existem enquanto canto ou fala para os ouvintes. A única excepção é um fragmento de um poema de Anna Akhmatova. Os fragmentos que seleccionei provêm de diversos tipos de testemunhos escritos mas nem todos “literários” no sentido estrito – cartas a amigos, poemas, discursos, frases de livros - e expoêm diversos tipos de sofrimento existencial: perigos do pensamento livre, da dissidência, a perplexidade face ao estado do mundo, traumas decorrentes do inenarrável vivido e (sempre) a presença da morte. Como diz uma parte do texto de Thomas Bernhard “Esta dor constituíu-nos. Esta dor é agora o nosso estado de espírito”. A dor tanto é a dor poética como a dor descrita, vista, sentida ou imaginada...
2. A minha música é inquieta: interessam-me os gestos, a captação de forças, de intensidades. Morton Feldman dizia que para ele tudo era “object trouvé”, mesmo aquilo que ele pensava ter inventado. Os objectos que eu encontro são diferentes, mas às vezes caio igualmente na ilusão de os ter inventado. Há varios anos que falo de “objectos” musicais. E neste caso encontrei também uns poemas. Seria estranho que trabalhar tanto tempo com estes textos ao lado ou na memória não tivesse tido consequências, presenças, na música e no discurso. Tenho algumas convicções sobre este aspecto, poderia partilhá-las, mas nada me garante que não haja outras que me escapam. Escapam-me a mim, mas não escapam à peça.
3. Os Six Portraits of Pain são: 1. Espinosa/Deleuze 2. Thomas Bernard 3. Manuel Gusmão I 4. Akhmatova 5. Cadenza sopra Spinoza 6. Gusmão II e Coda: Paul Celan.
4. Os textos são sublimes. O primeiro que escolhi, de Gilles Deleuze - “Conta-se que Espinosa conservava o casaco rasgado pela faca assassina para se lembrar que o pensamento nem sempre era amado pelos homens” – é, de certo modo, o mais importante porque (me) lançou a obra para a questão fundamental da liberdade do pensamento, da arte, da política e das diversas repressões que marcam as suas histórias. Hesito ainda sobre a inclusão de todos os fragmentos literários nestas notas. A possibilidade da sua leitura poderia orientar a percepção da obra para a procura de uma “significação literal” que não existe, que não pretendi nem quero provocar inadvertidamente.
5. Principalmente porque a relação entre os textos e a música não é linear. Num dado momento tomei consciência de que a estrutura formal da peça apresentava relações internas mais complexas do que a sucessão de Seis retratos/andamentos, como se

durante o trabalho composicional cada texto/retrato/música tivesse ultrapassado a sua localização particular numa página e afectasse o todo de forma irremediável. Estabeleci uma rede de relações entre estes elementos e é dela que deriva a narrativa da peça.
6. Tenho uma posição peculiar em relação a concertos; o carácter habitual atlético- virtuosistico do papel do solista não me atrái. Frequentemente cede-se à tentação exibicionista. Tento sempre outro tipo de solução. Nesta peça há um solista, o violoncelo, dois solistas secundários, dois violinos, e ainda três percussionistas como dramatis personae musicais. Esta divisão (1+2+3=6) tem igualmente uma relação com os 6 retratos e uma tipologia privada das dores.
7. Esta peça dura entre 26 e 28 minutos. Depende dos tempos que forem realizados. Foi encomendada pela Casa da Música e estreada em 2005.
António Pinho Vargas, Março de 2005



Partitura atualizada disponível em: https://editions-ava.com/pt/six-portraits-of-pain-2

 

Textos dos Six Portraits of Pain:

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1 - Espinosa

"Conta-se que Espinosa conservava o casaco rasgado pela faca assassina

para se lembrar que o pensamento nem sempre era amado pelos homens."

Gilles Deleuze, Spinoza

 

2- Thomas Bernhard

"Durante este meio século todos nós

não fomos mais do que uma grande dor.

Esta dor constituiu-nos. Esta dor é agora

o nosso estado de espírito"

 

3- Manuel Gusmão

" e aberta ficou a boca

...os assassinos nem sequer lha fecharam..."

 

4- Akhmátova

Passei dezassete meses nas bichas da cadeia de Leninegrado.

Uma mulher atrás de mim, perguntou-me ao ouvido [...]

( ali toda a gente sussurrava):

Pode contar isto? Respondi: Posso.

Então, uma espécie de sorriso deslizou por aquilo

que outrora fora o rosto da mulher.

 

5 - Cadenza sopra Spinosa

 

6- Manuel Gusmão II

"Cada parede a que chego é agora sempre a última..."

 

Coda: Paul Celan

Vivemos sob céus sombrios e... existem poucos seres humanos.

Talvez por isso existam também tão poucos poemas.

As esperanças que me restam não são grandes; tento

conservar aquilo que me restou.

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António Pinho Vargas

António Pinho Vargas Compositor. Licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Completou o Curso de Piano do Conservatório do Porto em 1987 e o Curso de Composição no Conservatório de Roterdão em 1990. Professor de composição na Escola Superior de Música de Lisboa desde 1991 e Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, desde 2006. Doutorado pela Universidade de Coimbra em 2010 em Sociologia da Cultura. Foi condecorado pelo Presidente da República Portuguesa com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique em 1995. Em 2012 recebeu o Prémio Universidade de Coimbra pelo conjunto da sua obra e o Prémio José Afonso pelo disco Solo II. Em 2014 recebeu o Prémio Autores pela sua obra Magnificat para Coro e Orquestra. Publicou os livros Sobre Música: ensaios, textos e entrevistas (Afrontamento, 2002) Cinco Conferências sobre a História da Música do Século XX (Culturgest, 2008) e a sua tese de doutoramento concluída em 2010: Música e Poder: para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu (Almedina, 2011). Gravou 10 discos de jazz como pianista/compositor entre os quais os CD duplos, Solo (2008) Solo II (2009). A Naxos editou Requiem & Judas (2014), reeditou em versão digital Os Dias Levantados e Verses and Nocturnes (2015) e Monodia foi reeditado pela Warner (2015). Compôs 4 óperas, 3 oratórias para Coro e Orquestra, 18 peças para Orquestra, 28 obras de música de câmara, 8 obras para solistas e música para 5 filmes. Entre as obras mais recentes incluem-se Requiem (2012) Magnificat (2013) De Profundis (2014) Concerto para Violino (2015) Concerto para Viola (2016), Memorial (2018) e Sinfonia (subjectiva) (2019).

antoniopinhovargas.com/

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