Este projecto surgiu da vontade em executar uma obra para contratenor diferente do repertório praticado habitualmente por este tipo de voz. Ao longo da investigação realizada com esse objectivo, constatámos a diminuta produção de obras contemporâneas de autores portugueses – as únicas com que nos cruzámos escritas especificamente para contratenor foram a ópera “Das Märchen” de Emmanuel Nunes, estreada no Teatro Nacional de São Carlos a 25 de Janeiro de 2008, em que a personagem Fogo-Fátuo foi interpretada pelo cantor de origem inglesa Andrew Watts, e a ópera “Os Dias Levantados” de António Pinho Vargas, estreada nesse teatro a 25 de Abril de 1998, com o cantor Nicolau Domingues na interpretação de Anjo. Assim, foi feito um convite a compositores do departamento de composição da Escola Superior de Música de Lisboa para escreverem uma obra com este fim. Pedro Finisterra, Miguel Diniz e Diogo da Costa Ferreira responderam ao desafio, aos quais se juntou o escritor Nuno Cruz, colaborador habitual de Pedro Finisterra, que escreveu o libreto. A história fala-nos de Rui, um rapaz com problemas de esquizofrenia e múltiplas personalidades, e do seu percurso pela vida em convívio com as várias “vozes” que tem dentro de si. Dessas vozes destacam-se três, exploradas pelos compositores em cada uma das três partes do libreto: Pedro Finisterra em “Primeiro”, Miguel Diniz em “Vera” e Diogo da Costa Ferreira em “Aquele”. Com este projecto pretende-se estimular a criação de obras para voz de contratenor, enriquecendo o repertório que habitualmente se costuma interpretar.
Rui Vieira, Outubro de 2018
A propósito de Multidão III - Aquele
Sinopse
Entramos num ensaio geral, a preparação para um espetáculo que Rui há muito antecipava. O palco seria dele por uns momentos, e conseguia já imaginar a futura interpretação… O som, a música, o silêncio, seriam todos dele, a independência pela qual ele trabalhara durante tanto tempo. A multidão estaria lá para o aplaudir, essa ideia dava-lhe forças para continuar. Mas ele estava nervoso, tão nervoso, nunca tinha feito isto antes, não sozinho. Seria a altura dele brilhar, independentemente do medo que o pudesse assaltar neste preciso momento…
Nuno Cruz, Outubro de 2018
Texto reflexivo
Breve reflexão geral:
A loucura. A realidade, e a falta dela. Um indivíduo que é três, ou que não é nenhum. Várias personalidades, alter egos, ou delírio e alucinação. Dissociação. Psicose. A loucura: o caos cá dentro.
É esta a minha obra. Uma narrativa que explora a mente: os seus labirintos, o seu vigor.
Breve reflexão técnico-científica:
Tendo em conta a natureza e as qualidades do libreto, impôs-se a demanda de um novo e inédito paradigma composicional e de um novo modelo performativo que pudessem potenciar substancialmente a preterição do texto em detrimento de todos os outros componentes e elementos da obra, promovendo-se assim a
efectiva superação do libreto.
Deste modo, a partir de uma conceptualização inicial e através da realização de várias investigações e experiência musicais e performativas, conseguiu-se sistematizar um conjunto de novas regras e normas composicionais e performativas que, em última instância, se constituíram como paradigmas orientadores de todo o processo criativo e, posteriormente, de todo o processo performativo.
Toda a Ópera
Multidão I - Primeiro
Multidão II - Vera
Multidão III - Aquele
Diogo da Costa Ferreira
Escola Superior de Música de Lisboa
Compositor, maestro, professor, investigador e escritor. Desenvolve a sua actividade nas áreas de música, filosofia, psicologia, cultura e educação. Estudou Composição na Escola Superior de Música de Lisboa e, também, Direcção de Orquestra com vários maestros e pedagogos. Simultaneamente aos seus estudos musicais, estudou Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, especializando-se em Estética e Filosofia da Arte. Estudou, também, Psicoterapia, Psicanálise e Aconselhamento Filosófico. A sua obra musical abrange vários géneros e formações, nomeadamente música de câmara, música sinfónica e ópera. O seu catálogo musical é editado pelo Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa (MIC). Enquanto escritor, publicou seis obras literárias que se encontram divididas em três colecções: cadernos experimentais da infância, cadernos de pedagogia ontológica e cadernos de babilónia. Actualmente, a sua investigação foca-se maioritariamente sobre questões de filosofia da arte, ontologia da música, fenomenologia, hermenêutica, psicanálise, ética e bioética. É membro da Associação Portuguesa de Escritores e da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica.