Caminha

Carmen Pomet

Informação adicional

  • Media:
  • Partitura: Caminha
  • Compositor(a): Carmen Pomet
  • Ano de Composição: 2015
  • Instituição/Pólo: Escola Superior de Música de Lisboa
  • Categoria: Coro e Orquestra/Ensemble
  • Instrumentação detalhada:

    Coro SATB (com 5 Solistas), 2 Violinos, 2 Violoncelos.

  • Duração Total: 15'07"
  • Duração: 15 - 20 min
  • Intérprete(s):

    Coro
    Ricardo Salavessa - violino I | Carolina Costa - violino II | Marco Madeira - violoncelo I | Nika Vremsak - violoncelo II
    Dir. João Barros

Instrumentação detalhada

Caminha

…Foi com imenso prazer que me embarquei durantes os três meses últimos numa viagem conduzida pela brisa que deixaram em mim as palavras da Sophia. Lembro-me que, na proposta deste projeto algures em Dezembro de 2015, tentei justificar “Caminha” como uma tentativa de afastar a morte de todas as figuras enterradas no Panteão de trazendo à vida esses corpos sem vida. Ponto de partida este, que está condenado a uma problemática sem fim: como trazer à realidade corpos que nunca conheci?

Em Novembro de 2015 descobri a edição da obra poética completa da Sophia. Comprei o tal livro que levei comigo ao Panteão Nacional de Lisboa. Entrei, subi muitas escadas até ao ponto quase mais alto do edifício. Lá em cima abri o livro mas não consegui ler nada: apenas podia comtemplar a água azul do Tejo que banha Lisboa. A Sophia escreve: “abriga-te no sopro corrido e fresco do mar”; “a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado”; “a imagem do homem, do mar e da luz trouxeram à sua boca o mesmo antigo sabor de sal e de alegria”. Os sentidos constroem a lírica; o leitor, o sentir da ingénua sensibilidade. O texto “caminho da manhã” (1962) conduz esta minha música: “vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde aluz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrarás em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espada do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: Mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio.” … “Sophia a bailar no palco reencarnada através do corpo de vários atores e bailarinos; “Sophia a ler os seus próprios poemas! ” Agradecerei sempre a todos os professores a oportunidade que me deram de poder fazer parte do projeto.

 

Carmen Pomet

Carmen Pomet

Carmen Pomet Serrano. Cáceres, 1995. Estudos de Clarinete e Piano e Técnicas de Composição no Conservatório Oficial de Música "Hermanos Berzosa” sob orientação de Alejandro Parejo, Jose María Duque e Sara Mínguez. Composição na ESML com os professores Carlos Marecos, Sérgio Azevedo e António Pinho Vargas; Análise Musical com Carlos Caires; ajuda musical especial do Nicholas Mcnair. Apresentação de peças inseridas em projectos da ESML como o festival “Peças Frescas” no São Luiz Teatro Municipal, “Artes no Panteão, Ecos de um Meta-Tempo”, no Panteão Nacional e na "Semana da Composição" na ESML; convite pelo grupo de clarinetes MODUS para comemorar os 250 anos da morte do poeta M. Bocage; colaborações recentes com o Instituto Español de Lisboa “Francisco Giner de los Rios".

(última actualização 2017)