Em Memória | Okiya Flor, livremente inspirada no livro Memórias de uma Gueixa de Arthur Golden, realiza-se uma síntese dramática e poética das memórias de uma rapariga japonesa de olhos claros – a Aprendiza –, que perdeu a família no incêndio da sua aldeia e que, sem que lhe fosse dada escolha, foi admitida numa casa de gueixas (Okiya), pela respetiva proprietária e gerente – a Mãe. Na Okiya, a mais experiente (também a mais rentável) e mais bonita gueixa de todas – a Gueixa – vê a sua posição ameaçada por essa rapariga, que, com os seus tão raros olhos de água, poderá facilmente substituí-la, também na preferência do melhor cliente (e homem mais poderoso da região) – o Senhor -, o que vem a suceder. Porém, enquanto a Gueixa ama um jovem – o Rapaz – que não tem meios para a emancipar, mas com quem se encontra sem permissão, a Aprendiza apaixona-se pelo Senhor, acabando igualmente por ser preterida. Ambas se apercebem, então, da sua condição e, verdadeiramente, do valor da vida e da morte.
MEMÓRIA
Okiya | Flor
Memória descritiva
Ao compor a peça, utilizei uma técnica livre, com algumas nuances. A Harmonia, com um foco menos polar, apoia a melodia da voz, um pouco mais modal, com cromatismos para uma maior tensão até utilizada de encontro com a letra ou a história.
Nesta peça, para me aproximar mais de um mundo oriental, utilizo bastante a escala pentatónica e escalas modais.
Utilizo também sonoridades orientais aproximadas a instrumentos característicos do japão e não os próprios instrumentos por uma questão prática. Exemplos de tal são os gongos, a taça tibetana, a harpa e o interior do piano (para me aproximar à sonoridade de um Koto), e o piano elétrico, acionado como órgão (para me aproximar à sonoridade do Shô).
Utilizo alguns leitmotivs de circunstância, que são repetidos ao longo da peça, mas com ligeiras alterações dependentes do decorrer da ação.
No 1º andamento, utilizo as cordas em harmónicos na área da personagem, para criar uma sonoridade tanto “grotesca” como “instável”, suspensa, enfatizando já as principais características da personagem principal.
No 2º andamento utilizei uma estética mais minimal com ostinatos repetitivos na harpa no modo de ré.
Utilizo a valsa como um elemento sempre conotado ao encontro de um homem com uma mulher, o símbolo da sedução – 3º andamento – Mas lá ocorre a sobreposição de tonalidades, como uma bitonalidade, em que a percussão toca a valsa e as cordas estão em outra harmonia diferente, sendo que a bitonalidade aparece na peça quase como um presságio que algo vai correr mal com aquele amor.
No 4º andamento tentei criar uma sonoridade mesmo típica oriental, com a junção da harpa com a percussão e o piano.
No 5º andamento utilizei uma estética vocal mais repartida por sílabas e não tanto por frase.
No 7º andamento, utilizo a técnica da sobreposição de camadas (tal como no 6º andamento, mas não tão exageradamente), um pouco inspirada na sobreposição de texturas de cantos de pássaros que Messiaen – para a dança da água, no início, ser de uma inspiração Japonesa, uma dança tradicional, que vai descambando, mostrando a verdadeira natureza da Aprendiza no final – um descontrolo e uma loucura.
Relativamente a outras técnicas utilizadas, utilizo a falsa citação – No 8º andamento - criação de um motivo que poderia ter sido escrito no classicismo (como se a personagem quisesse passar um bem estar para o exterior), mas o motivo vai desenrolar-se para uma loucura, desconstruindo-se a ele próprio (para o que a personagem realmente está a sentir). Por conseguinte, a gueixa está associada a um acorde característico, o acorde de 7ª menor (que está nos 6º e 8º andamentos) visto ser a personagem que mais sofre e que mais razões tem para sofrer.
O órgão (shô) é utilizado no 9º andamento. O shô era utilizado nas danças imperiais Japonesas Gagaku, sendo um símbolo de poder. O órgão é o símbolo da morte, o som das igrejas. Pretende ser um presságio para o que vai acontecer a seguir.
Justificação do título
Toda a peça é uma retrospetiva de algo que já se passou, sendo que o coro pretende simbolizar as memórias das personagens. Okiya é o nome dado à casa de Gueixas, e Flor remete a Florbela Espanca, autora dos poemas utilizados para o libreto, e à beleza feminina retratada ao longo da peça.
Data da estreia
20 de Maio de 2018, no Auditório Viana da Motta (ESML).
Erica Liane
Escola Superior de Música de Lisboa
Completou o 8º grau de piano na Escola de Musica do Conservatório Nacional, e completou a Licenciatura em Musica (Composição) na Escola Superior de Música de Lisboa. Obras estreadas: O choro do cisne – peça de câmara para dois bailarinos, Flauta/Piccolo, piano, harpa, bombo, viola e violoncelo (2017). Memória | Okiya flor – ópera de câmara para pequena orquestra, 5 solistas e 6 membros do coro (2018). Oceano Pacífico – peça de câmara para flauta, flauta alto, vibrafone, violoncelo, piano e taça tibetana e eletrónica (2018) Obras não estreadas: 4.48 Psychosis – peça para orquestra e 3 solistas sobre o libreto de mesmo nome de Sarah Kane (2017). A desova dos corais – peça para orquestra de arcos e solistas piano e vibrafone (2018). A Rã de vidro – peça para ensemble de percussão (2019). Oceanos glaciares – peça de câmara para flauta, flauta alto, vibrafone, violoncelo, piano e taça tibetana e eletrónica (2019). Uma viagem à fossa das marianas – peça acusmática (2019). Baiji – a extinção do golfinho lacustre chinês – peça para violino solo e eletrónica (2019).
Érica Liane faleceu em 2021, amigos, colegas, professores e toda a comunidade escolar que teve o privilégio de a conhecer, guardam a memória da sua alegria e dedicação à musica.
Até sempre...