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Num multiverso coexistem diferentes universos, tais como o nosso, que no decorrer de milhões de anos expandem-se e contraem-se até colapsarem numa singularidade. Tendo em conta que é possível atravessar de um universo para o outro por meio de buracos negros e buracos brancos, é fácil se perder na imensidão do espaço. E da mesma forma que eventualmente na nossa pesquisa encontraremos pelo meio algum cataclismo estelar como a explosão de uma supernova, também é fácil ficar sozinho no meio de um grande vazio.

O grande ensemble permite acompanhar musicalmente a viagem, com múltiplos eventos a decorrerem em simultâneo ou uma grande força cósmica a orquestrar um tutti muito coeso. A história de cada um dos universos é contada por meio dos episódios de expansão e contração musicais, tanto no aspecto rítmico como no de densidade da textura. O que parecem simples instrumentos a brincarem com motivos simples como se fossem um particular jogo do esconde-esconde estelar, ganham rapidamente força e aquecem até grandes temperaturas, para terminar por arrefecer pelo efeito da expansão.

Entre o sono e o sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”

Catarina Bispo

Evento/Concerto/Projecto Semana da Composição 2015

Ditados da Consciência é uma obra de cariz minimal repetitiva. Numa alusão à insistência da consciência de uma pessoa, ou de quase todas as pessoas, esta peça procura indagar, de um modo subjectivo, a dicotomia entre motivos verdadeiramente repetitivos, quais uma consciência um tanto ‘robótica’ do zeitgeist em que vivemos, e a idiossincrasia de um ser humano revelada por motivos ou frases melódicas, que se sobrepõem, ou não, a esse contínuo ascendente social, ou moral, sobre a individualidade que define cada um de nós.

2018

Disruption

Esta peça foi escrita a pedido do Professor C. Bochmann para o Grupo de Música Contemporânea da Universidade de Évora. O objectivo foi aproveitar as capacidades deste grupo de instrumentos pouco habitual, contrapondo o dinamismo dos ataques fortes do “tutti” com simples melodias fragmentadas por vários agrupamentos mais pequenos de instrumentos. A peça apresenta um forma A – B- A’.

A obra Declamação/ões, é um conjunto de 4 obras para instrumentos de arco, compostos entre 2019-20, que incluem, dois duetos com eletrónica, uma peça solo e electrónica e um quinteto de cordas, baseado no poema “Ignomínia” de Inês Vales que me foi dedicado.
Para construir as linhas musicais tocadas pelos instrumentistas é analisado espectralmente uma declamação do poema por uma jovem estudante de teatro.
As 5 diferentes linhas músicas compostas com relações rítmicas, tímbricas, melódicas e harmônicas entre si, são então subjugadas a diferentes contextos musicais, nomeadamente quinteto e duo ou solo com electrónica, criando assim uma experiência auditiva completamente diferente de uma mesma linha musical. Compondo uma metáfora à interpretação do poema em questão e dos sentimentos, visões e críticas sociais e humanas que dele são declamadas pela família dos instrumentos de corda friccionada.
O auxílio da eletrónica na clarificação da transmissão destes sentimentos, visões e críticas é notado pela presença voz da atriz que declama o poema em conjunto com os instrumentistas.

Evento/Concerto/Projecto Semana da Composição 2020
Instrumento(s)
2015

Caminha

…Foi com imenso prazer que me embarquei durantes os três meses últimos numa viagem conduzida pela brisa que deixaram em mim as palavras da Sophia. Lembro-me que, na proposta deste projeto algures em Dezembro de 2015, tentei justificar “Caminha” como uma tentativa de afastar a morte de todas as figuras enterradas no Panteão de trazendo à vida esses corpos sem vida. Ponto de partida este, que está condenado a uma problemática sem fim: como trazer à realidade corpos que nunca conheci?

Em Novembro de 2015 descobri a edição da obra poética completa da Sophia. Comprei o tal livro que levei comigo ao Panteão Nacional de Lisboa. Entrei, subi muitas escadas até ao ponto quase mais alto do edifício. Lá em cima abri o livro mas não consegui ler nada: apenas podia comtemplar a água azul do Tejo que banha Lisboa. A Sophia escreve: “abriga-te no sopro corrido e fresco do mar”; “a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado”; “a imagem do homem, do mar e da luz trouxeram à sua boca o mesmo antigo sabor de sal e de alegria”. Os sentidos constroem a lírica; o leitor, o sentir da ingénua sensibilidade. O texto “caminho da manhã” (1962) conduz esta minha música: “vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde aluz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrarás em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espada do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: Mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio.” … “Sophia a bailar no palco reencarnada através do corpo de vários atores e bailarinos; “Sophia a ler os seus próprios poemas! ” Agradecerei sempre a todos os professores a oportunidade que me deram de poder fazer parte do projeto.

 

Carmen Pomet

2018

Ausência

Ausência | 

Num deserto sem água

Numa noite sem lua

Num País sem nome

Ou numa terra nua

 

Por maior que seja o desespero

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

2018

2458208

Sussurro de autómatos eléctricos, bzzz cling clang pim pum, o frémito dos utensílios e engenhos de todo o tipo que nos rodeiam o quotidiano, o contínuo entre concreto e abstracto, o ruído como bloco em bruto a partir do qual se esculpe um universo de possibilidades sonoras e, reciprocamente, os sons que em si carregam a memória ou a fantasia do ruído de onde brotaram. Puro e impuro. Um catálogo de transições, sinal quebrado, interrompido, cortado por intromissões, tanto ilídimas como forçosas. Uma melodia obstinada, ubíqua, uma vez e outra, a cada reinício numa roupagem única.

Nuno Trocado

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